domingo, 27 de dezembro de 2009

Síntese de uma mente consternada

"Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo
Prefiro acreditar no mundo do meu jeito
E você estava esperando voar
Mas como chegar até as nuvens com os pés no chão?"

Ranato Russo explicando a dificuldade em aliar aritmética e literatura. Uma sempre concisa e outra sempre variável.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Realidade de mentira

Minha total indisposição para com novelas já foi tema de um texto aqui nesse mesmo espaço. Minha opinião continua muito parecida e o tema tem me chamado cada vez menos atenção já que não acompanho folhetim algum. Entretanto a nova novela das oito, que vai ao ar às nove, me chamou atenção por causa do acidente de Aline, transformada em deficiente pelo argumento ineficiente Manoel Carlos.

Eis que fuçando no Blog de André Forastieri me deparo com um texto muito bem amarrado de Marcelo Soares, amigo de André. Marcelo detona a mais nova falácia da TV Globo, acaba com esse papo água de que as novelas estão retratando o real.

Leia o texto e confira.

Com a palavra, Marcelo Soares, criador do blog E Você Com Isso?.
Virou moda expor problemas sociais e de saúde em novelas, pra mostrar “a vida como ela é”. Pegue a história da modelo Luciana, da novela Viver a Vida.

Loira, linda, alta, jovem e rica, sofreu um acidente de ônibus no Oriente Médio e perdeu os movimentos dos membros. A ideia é mostrar como é a vida de quem sofre com deficiência física.

Mas será que a personagem representa mesmo quem sofre com isso? Existem dados sobre isso.

A cada dez anos, o IBGE coleta informações detalhadas sobre a população brasileira no Censo. No banco de dados deles, procurei ver quantas pessoas no Brasil tinham mais ou menos o mesmo perfil da personagem:
Mulher, 25 a 29 anos, com rendimento nominal mensal de mais de 5 salários mínimos (o IBGE não oferece classe mais alta que isso) e portadora de deficiência física (tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente).

Clique aqui e acesse o link do banco de dados do IBGE.

No censo de 2000, havia apenas 262 mulheres nessa condição no país – num total de 514.791 mulheres nessa faixa etária e grupo de renda. Isso dá 5 em cada 10 mil mulheres dessa faixa etária e grupo de renda no Brasil.
Se for fazer pelo total de brasileiros, incluindo homens e mulheres de todas as idades, dá 1,55 POR MILHÃO.
O dado tem um problema sério: 5 salários mínimos é uma renda muito abaixo da renda da personagem. Se for restringir pelos que ganham ao menos 10 salários mínimos por mês, um salário modesto para uma supermodelo principiante, certamente haveria menos gente.
Para ter uma ideia, apenas pelo corte de cinco SM já foram excluídos DEZESSETE ESTADOS que sequer tinham mulheres com deficiência física nessa faixa de idade e renda: RO, AC, RR, PA, AP, TO, PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, ES, SC, MS, MT.
As moças com deficiência física nesses lugares costumam ser mais pobres. Como, de resto, a média dos habitantes. Portanto, têm menos acesso a bons hospitais e transporte de qualidade. Sofrem bem mais.

Das 262 mulheres com deficiência física no Brasil, apenas 34 estavam no Rio de Janeiro (onde mora a personagem da novela). Isso dá 6 em cada 100 mil mulheres de mesma idade, sexo e faixa ampla de renda no Brasil inteiro. Ou DUAS EM CADA DEZ MILHÕES de brasileiros de todos os sexos e idades.

Não dá pra ver por bairro quantas moram no Leblon. O que dá pra ver é que apenas 19 dessas 32 mulheres estavam na cidade do Rio. Isso dá 3,7 em cada 10 mil brasileiras de mesma idade e faixa ampla de renda. Ou pouco mais de UMA EM CADA DEZ MILHÕES de brasileiros.

O Censo não permite filtrar pela altura, cor do cabelo, profissão ou largura dos lábios. Também não permite ver a questão do comportamento da moça, o que estreitaria ainda mais a seleção.

“A vida como ela é”, uma pinóia. Essa personagem praticamente não existe – e, se existir, tem a vida muito mais confortável do que a dos que de fato existem.
Tudo para quem tem dificuldades de locomoção acaba saindo mais caro. Quem tem grana consegue contornar a maior parte desses problemas; quem não tem sofre muito mais.
E como são os que existem? O IBGE também nos conta
Antes de mais nada, 22% dos homens com deficiência física e 29% das mulheres com deficiência física simplesmente não têm renda nenhuma.

No Brasil, a maior proporção dos que têm deficiência física dentro de sua faixa etária está entre os velhinhos homens de mais de 70 anos de idade e renda nenhuma (4,4%) ou até um salário mínimo (4,7%).

Dois em cada dez deficientes físicos brasileiros, homens, são velhinhos com mais de 70 anos, e pelo menos um desses dois vive com menos de R$ 500 mensais.

A proporção de velhinhas com deficiência física em sua faixa etária é um pouco menor, mas principalmente porque homem tem a feia mania de morrer mais cedo. Mas três em cada dez mulheres com deficiência física são velhinhas com mais de 70 anos.
Essa proporção de velhinhos vem aumentando, conforme o brasileiro vai ficando mais velho. É o lado ruim da melhoria das condições básicas de vida.

Entre as mulheres, no total do Brasil, 81,3% das que têm deficiências físicas têm renda menor do que um salário mínimo ou nenhuma. Na faixa de idade da Luciana, 25 a 29 anos, são quase 87%.

Ou seja: quase nove em cada dez não ganham nem R$ 500 ao mês.

Educação é outro problema muito sério: é muito difícil alguém que tem deficiência física frequentar aulas, especialmente porque escolas e faculdades não são adaptadas.
Aqui, porém, o roteiro de Manoel Carlos acertou na mosca: tal como 89,7% das moças de 25 a 29 anos com deficiência física, Luciana não estuda.

Ps.: Texto publicado originalmente em: blogs.r7.com/andre-forastieri/2009/12/04/a-paraplegica-da-novela-nao-existe-parte-ii/

domingo, 6 de dezembro de 2009

Não existem duas honestidades ou o jornalismo e a ética do marceneiro

"Time que entrega jogo não pode reclamar de mensalão.

Torcedor que pede para os jogadores perderem não pode reclamar do “panetone de ouro”.

Cartola que combina resultado ou incentiva qualquer armação fora das quatro linhas não pode se queixar dos escândalos de superfaturamentos e empreguismo no dia-a-dia da República.

Não existem duas morais, não existem duas éticas, não existem duas honestidades. Não existe exceção para a vergonha na cara.

Flamengo, Inter, São Paulo e Palmeiras têm condições de serem campeões na bola, no gramado, com a honra e força que construiram as suas histórias.

Cada povo tem o país que merece. E o país que queremos e merecemos deve ser reafirmado em TODAS as ações. Do respeito ao sinal de trânsito até o combate intransigente a toda forma de picaretagem".

Esse texto não é de minha autoria, mas representa com exatidão o meu pensamento. O autor é o jornalista Décio Lopes, editor e apresentador do Expresso da Bola, Blog e programa do SportTV. Um sujeito com um texto direto, limpo, por vezes seco, mas com boas ideas.

Suas palavras tem link direto com as do mestre Cláudio Abramo, jornalista astuto, perspicaz ao extremo. Um cidadão sem meias palavras com sua vida e seu trabalho.

Abramo escreveu:

Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista — não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista.

Seu argumento é universal e não fica restrito apenas à jornalistas e cidadãos. Quando se trata de nós pessoas não existe aquela resposta pré-concebida: "eu, enquanto cidadão"..... e quando se deixa de ser um cidadão? Em qual momento? Não cabe essa de "enquanto". Essa temporalidade não existe, é uma condição intríseca, indissociável e carrega todos os direitos e deveres de cada um. Condições que não abrimos mão nem quando dormimos.

"Pedro, mas esporte é apenas intretenimento. E outra coisa, isso não acontece apenas no Brasil!". Já escutei isso muitas vezes como desculpa para para algo que se julga institucionalizado. No caso a picaretagem. Como se um erro justificasse o outro.

Agradeço profudamente ao Cláudio por me fazer acreditar que o jornalismo pode exister com responsabilidade. Abraço também Décio, que aprendeu as lições do mestre Abramo e como profeta às prega para quem quiser ouvir.

Eu sei o país e o sujeito que eu quero para mim e ele não é parecido com isso que está aí.

Ps.: Blog Expresso da Bola: http://colunas.sportv.globo.com/expressodabola/2009/12/05/nao-existem-duas-honestidades/

Ps2.: Texto de Cláudio Abramo extraido do livro a Regra do Jogo, Companhia das Letras, 1988.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

It's Cold......



"Mas não me diga isso

É só hoje
e isso passa

Só me deixe aqui quieto"

Via Láctea.