sexta-feira, 19 de março de 2010

Philippe Coutinho


Há temores de precipitação. Há temores de valorização exagerada e “fanatismo religioso” decorrentes da carência de ídolos e do atual estado das coisas em São Januário. Há temores de se apostar fichas em um jogador tão menino, tão cedo catapultado à condição de estrela, na companhia. Há temores de que comparações inevitáveis com outros jogadores extemporâneos (ou mesmo contemporâneos) possam relativizar as boas impressões que se tem a seu respeito. Há temores de que tudo não passe de invenção capitalista, vendagem marqueteira, subprodução pré-criada em laboratório fictício de cartola vendedor de jogador.

Venho afugentar todos os temores, espairecer todas as névoas de dúvida, dirimir todas as questões referentes ao assunto e manifestar minha opinião: Philippe Coutinho é, hoje, o melhor do Vasco.

Digo isso e explico o porquê.

O que faz, a meu ver, Philippe Coutinho ser hoje o melhor do Vasco, é a sua dedicação sóbria e serena, gradual e progressiva, corajosa e devotada, que de distingue da forma omissa e melancólica com que o Vasco é representado no atual momento.

Não é por não acertar a pontaria, como se requer que ele acerte, que ele vai deixar de ser o jogador com maior investidura da cruz-de-malta no elenco atual. Não é por não ter ímpeto de gol de um Roberto Dinamite e de não ser um goleador do time como Romário que ele não haveria de alcançar esse posto.

O amadurecimento com que Philippe Coutinho assumiu as jogadas, a criação, a ofensividade e o chamado para conduzir a cruz-de-malta nos últimos jogos tem sido, no mínimo, a última esperança de respeito e abnegação ao panteão vascaíno neste campeonato.

Vejam bem: estou falando de respeito, abnegação, envergadura moral e passional. Philippe Coutinho - o menino de dribles, elásticos, lençóis e jogadas individuais ariscas e ousadas - há de ser – pelos acertos, pelos erros e pelas inúmeras tentativas – o último jorro de sangue vermelho e vivo desse sistema vascular obstruído e necrosado que se tornou o time do Vasco.

Enquanto os mamutes do time esfacelam as pernas em contusões, desaparecem nos gramados ou se omitem nos momentos decisivos da partida, o menino “ladrão de raios” corre, tenta, encara a marcação dura dos adversários e a cobrança exigente da torcida com porte de homem adulto, com coragem de atleta profissional, com amor à camisa do Vasco.

É preciso que o torcedor aprenda a decodificar os símbolos de uma partida de futebol. A cena do domingo passado, com Dodô se sobrepondo a Philippe na cobrança do pênalti e tirando a autoridade do treinador diante de uma audiência perplexa, foi uma cena decisiva. Uma cobrança de pênalti marcada em pleno Maracanã, num jogo contra o maior rival, justamente após um pênalti já ter sido desperdiçado. No elenco, dois únicos jogadores assumem a decisão. De um lado, o jogador mais experiente em campo, que já tinha perdido a primeira cobrança displicentemente. Do outro, o menino-prodígio, com 17 anos – exatamente a metade da idade do outro. A forma displicente e ridícula com que o “experiente” desperdiçou a segunda cobrança evidenciou a distância gritante entre a vaidade e a valentia, a presunção e a abnegação, a arrogância e o senso de responsabilidade. O castigo da perda do pênalti foi a senha para o torcedor vascaíno identificar que os medalhões nada são diante dos meninos aguerridos que, debaixo da cruz-de-malta, possuem um coração vascaíno pulsando de verdade.

Que me perdoe o Dodô se estou emitindo juízo criterioso a seu respeito, mas ele, para mim, encerrou, naquele domingo, a sua tentativa de história dentro do Vasco. Menos pelos pênaltis perdidos. Ao contrário: se os fizesse, não teria ofuscado as jogadas arriscadas e o senso de voluntariedade com que um menino de 17 anos se entregou nesta e em todas as demais partidas onde, sejam quais forem os motivos, Dodô desapareceu e se omitiu, furando chutes a gol que pareciam propositais de tão bisonhos. Dodô e Mancini não têm a alma que o Vasco requer para um clube que está renascendo. Quando um desautoriza o outro, ambos se equivalem. Os erros de cada um, jogo após jogo, só demonstram que a mediocridade nem sempre nasce da má intenção, mas também pode ressurgir de uma absoluta desconexão entre um profissional e uma camisa. Acho que a camisa do Vasco, sinceramente, não cabe neles.

Em contrapartida, Philippe joga como se não estivesse vendido, como se os euros não acenassem aos seus olhos de menino o sonho dourado de todo jogador de futebol desta plaga de terceiro mundo onde todo mundo idealiza sucesso e reconhecimento. Ali, dentro do gramado, vestido com a camisa do Vasco, o pequeno vascaíno Philippe Coutinho empresta seu som e sua fúria shakesperianos para incendiar os gramados em favor do clube em que acredita, em favor da torcida que – mesmo impaciente – sabe discernir um craque de uma falsa promessa.

"Ser ou não ser: Eis a Questão!".

Philippe Coutinho não se intimida: ele é!

Nem mesmo Carlos Alberto, jogador referência desse novo Vasco, consegue se manter em campo, lesionado e combalido pela perseguição desumana que os maus sopradores de apito autorizam jogo após jogo. Mas Philippe Coutinho está lá, enchendo as páginas dos jornais com as únicas e incontestáveis atuações dignas da camisa que veste, envergando a camisa com o amor e o respeito que pouco se vê numa equipe mal escalada, mal decidida e mal resolvida. Não fosse ele, com a força de seu talento e a convicção de sua vascainidade, não teríamos espaço na mídia, não teríamos destaque. Ele briga sozinho pelo Vasco e pelo nosso espaço em meio aos silenciadores do nosso clube. Grita - e grita tão alto - que obriga outras vozes a ressoarem seu grito e o grito do Vasco.

Há um estranho silêncio em São Januário. Os jogos são ruins, as atuações são pífias, os resultados são parcos. Ninguém fala nada. Sobram aqueles velhos discursos de araque sobre prestigiar técnico e comparar elenco deste ano com o do ano passado, treinador deste ano com o do ano passado etc. A realidade é mais simples do que o devaneio. Quem não alcança um alvo não é bom de atirar flecha. Sem um bom arqueiro, ninguém acerta um alvo.

Enquanto as discussões prosseguem, o departamento médico segue sem jamais recuperar seus feridos de guerra, os tribunais caçam e punem irascivelmente os atletas vascaínos, o treinador nunca sabe a escalação ou o esquema do próximo jogo... todos parecem perdidos.

Menos Philippe Coutinho.

Pergunto eu: é alguma incoerência eu sentir um orgulho vascaíno dentro do peito ao abrir, na manhã de hoje, todos os jornais e ler, em meio à morbidez do time atual, uma série de matérias enaltecendo o menino prodígio do Vasco?

Não teríamos – eu e todos os demais vascaínos que compartilham dessa opinião – o direito de se emocionar, pelo menos, com a atitude e o futebol desse menino, sendo ele o último lampejo de vascainismo verdadeiro nesse grupo totalmente fora de sintonia com a história do Vasco?

Disse, digo isso e repito quantas vezes puder. Não há nada melhor, hoje, do que ver Philippe Coutinho jogando com a camisa do Vasco.

Todo o resto é quimera.

Philippe Coutinho é a única verdade remanescente no panteão vascaíno.

Hélio Ricardo

Na incompetência de expressar minha opinião sobre o vasco, o colunista Hélio Ricardo fala por mim. Minha única nota é com relação a Carlos Alberto, a quem respeito acima de todos. Junto com o jovem jogador, é o único vale uma nota digna.

1 Comment:

Anônimo said...

Um texto genial e que diz tudo. Viva Philippe Coutinho! Via o Vasco!