sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um jogo e a redenção de uma torcida

Foi um dos jogos mais sofridos da minha vida. Só me lembro de ter ficado tão nervoso na final da Copa do Mundo de 1994, na semi-final da Libertadores de 98 e na final do Mundial no mesmo ano. Foi doido e angustiante, mas depois de enfrentar um rival formidável, o Clube de Regatas Vasco da Gama sagrou-se campeão da Copa do Brasil. Encerrou um jejum incomodo para uma torcida acostumada a vencer. A nova geração de vascaínos começou bem, assim como meu príncipe Arthur é pé quente dos melhores. Palmas para essa imensa torcida bem feliz, que deu um show na comemoração da vitória.

Li muita coisa sobre a batalha do Couto Pereira, muita coisa boa foi escrita. Uma unanimidade é a alegria dos cronistas na ressurreição do Vasco como um dos principais protagonistas do futebol nacional. É quase como se o futebol deste país estivesse órfão de seu filho mais impetuoso, do rebento que desafiou uma sociedade racista para colocar um negro em seu time, é como se sentisse falta daquele que não é o maior, mas é sem dúvida o melhor e mais bonito dessas terras todas. O campeão voltou.

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O melhor de todos os textos foi o do jornalista Gustavo Poli, este que agora posto para vocês:
O expresso do alívio

Foi uma vitória maiúscula, daquelas que arrepiam até os não-torcedores. Uma vitória suada, sofrida, disfarçada de derrota. Uma vitória em forma de via-crúcis, que fez um um grito nacional deixar milhões de engasgadas gargantas. A palavra vice sendo enviada para o nunca, na carona de um palavrão, ecoou Brasil afora. O Vasco voltava a ser Vasco, depois de tanto sofrimento, depois de tanto quase.

Em tempo de bondes e trens-bala, pouca gente lembrou da metáfora ferroviária original. Do tempo de um outro Vasco, o Vasco de Ademir, o Vasco melhor time da América, base da seleção de 50. O Expresso da Vitória hoje é um retrato na parede – esquecido moralmente durante anos pelo próprio Vasco, nos quase 20 anos em que cuspiu em sua própria imagem.

Os anos euricos transformaram o Vasco em vilão nacional, num poço de antipatia. Mesmo as vitórias traziam a nódoa da desconfiança, da arrogância, dos acordos surdos e insondáveis. Foi naquele vasco, minúsculo, que um ídolo foi sangrado e outro foi expulso da tribuna. Foi naquele vasco, ironicamente, que a palavra vice foi tatuada – em derrotas inesperadas e aparentemente cármicas. Foi aquele vasco, embora já de pele e direções novas, que foi rebaixado, espancado e humilhado.

Algo mudou em São Januário. O vasco-joão-bafo-de-onça saiu de cena, voltou o mestiço simpático que lutou contra o preconceito, que encarou a humilhação de frente; o vasco popular, de lapis atrás da orelha, mordendo a coxinha no boteco ou na padaria. O Vasco sempre foi o mais povão dos times cariocas, o menos elitizado, o mais barriga na bancada, palito na dentadura. E sempre foi assim com orgulho, cuspindo farofa e sorrindo, sem medo de suas origens.
Três imagens da decisão em Curitiba grudaram na retina. A primeira, observada pelo repórter Eric Faria, no fim do segundo tempo. No banco de reservas, Diego Souza e Felipe não conseguiam sequer ver o jogo. Diego sentado, de costas para o campo. Felipe, como um esquimó súbito, afundado em seu capuz. Um rezava e sofria, o outro sofria e rezava – mãos nos rostos, como se ecoassem baixinho o sentimento de cada vascaíno – “acaba, jogo, por favor”.

O Vasco estava tão perto… e tão longe. Os minutos passavam, as bolas do Coritiba passeavam perigosamente perto da área. Cada cruzamento era um parto e uma dor. O desespero era palpável – dos dois lados. O Coxa, perto de uma altura inédita. O Vasco, perto da redenção necessária – da expulsão do estigma da derrota última. Felipe e Diego oravam como milhões de vascaínos pelo Brasil – enviando cada bola para a distância.
A segunda imagem veio após o jogo. No campo já deserto, o melhor jogador da partida, Éder Luís, deu uma entrevista solitário. De touquinha, sorrindo com os dentes separadíssimos, segurando o troféu nos ombros. Tudo na cena parecia estar no diminutivo. O rapidinho Éder com aquele trofeuzinho indo pra casinha –o mineirinho por definição – a humildade em pessoa. Era muito Vasco – a digestão pelas beiradas, o time da virada num ano que começou catastrófico, com derrotas humilhantes e pênaltis enviados em missão lunar.

O Vasco mineirinho, o Vasco mestiço, o Vasco que misturou casagrande & senzala desde o início de seu futebol. O Vasco que é zona norte e zona sul – o Vasco Marcos Palmeira e Camila Pitanga, Vasco Fernanda Abreu e Paulinho da Viola, Vasco Unidos da Tijuca e Bruno Mazzeo . O Vasco que teve um presidente mulato 100 anos antes de Obama. A cruz-patéa, que os anos cuidaram de transformar em cruz-de-malta no imaginário popular – voltou a bater no peito.

A terceira e última imagem foi do goleiro Fernando Prass. Depois de correr, berrar, gritar, ser atingido por uma pilha e comemorar, Prass encostou numa amurada… e chorou. Chorou, ainda de luvas, as lágrimas de alívio eufórico que o Vasco há tanto buscava.

Foi bonito, foi sofrido, foi até o ultimo minuto. Houve quem dissesse que jogo não foi bom – e tecnicamente não foi. Mas e daí? Foi daqueles jogos que fazem o suor saltar dos poros. Se você diz gostar de futebol e achou chato o épico do Couto… de repente vale a pena experimentar bocha. A nau voltou, amigos – e isso, gozações torcedoras à parte, enriquece o futebol do Rio – e o futebol brasileiro. O Vasco sempre foi vanguarda – não tinha direito de se transformar em atraso. Hoje é aquele dia em que todo palavrão que ecoa é justo, é puro, é até bonito.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=LzqSxQDzysw#at=42

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