Ruas molhadas a noite depois de um dia infernal. O centro é bem mais interessante após a partida do sol. Parece mais bonito, complexo e cheio de segredos despido da daquela mutidão que abarrota suas ruas durante o dia.
Quando passávamos na praça da Bandeira um mulher de seus trinta e poucos anos entrou. Loira e um pouco gorda, me pareceu uma comerciária. "Fica melhor assim, não acha?", perguntou ela a mim. Precisando de 3 segundos para me recuperar da pergunta, já que não sou afeito a contatos em ônibus, filas e afins, retrucquei com um o que?
"A praça sem aquele monte de gente falando, gritando e sujando", exclamou ela. Eu, estupefato pela sintonia com meus pensamentos, mas ainda reticente assinalei que sim.
"Esse lugar parece até mais humano sem as pessoas!" Depois dessa perdi meu enfado, olhei para ela e disse que estava pensando extamente no que ela estava dizendo. Lhe contei sobre as ruas molhadas, sobre aquele manto de asfalto quente e os mistérios que via nas esquinas.
Minha colega comerciária escutava com atenção minhas palavras e vez por outra acenava em tom positivo. "Trabalho em uma loja daqui[num disse] e todo dia vejo pessoas diferente, mas que sempre me parecem iguais. Engraçado, ou trágico, que todos falem igual e sejam até grosseiros e lisonjeiros da mesma forma", disse com calma e simplicidade essa moça.
Nada disse. Nada tinha a dizer. Ela ficou calada alguns momentos, me olhou e sorriu. Fiquei com vergonha do fato e disse. "É no mínimo curiosa essa nossa conversa. Quase surreal". Com aparência de enfado, ela respondeu que sim.
Fiquei sem jeito e me fechei. Seu celular tocou, olhou a bina e colocou no silencioso. Se levantou e puxou a corda para que o motorista soubesse que tencionava sair do coletivo. "Vo indo tchau", disse minha ex-amiga.
Fiquei sozinho a pensar na conversa que poderia ter existido entre mim e aquela mulher, mas na verdade essa situação nunca existiu.
De factual nisso tudo existe somente a mulher no ônibus, sua aparência e cantarolado de alguma música do Calypso.
Nunca tive conversa parecida com estranho algum nessa vida. Mas fiquei pensando como reagiria se ela falesse comigo daquele jeito, como se estivesse a ler minha mente e ainda brincando com minha razão.
Mas nada disso aconteceu. Nada. De atípico somente a chuva nesse inferno que apelidaram de cidade.
5 de setembro de 2007.
Abra os olhos – O cemitério do esplendor
Há 3 semanas
2 Comments:
"Foi..
sem ter sido!"
...Eu diria...
Interessante diálogo com vc mesmo hein, pessoa..
xêro.
muito lindo!!!...enquanto acompanhava sua história eu queria que fosse verdade...quis tanto que quase acreditei. só quero te dizer que essas coisas acontecem...são mais raras hoje...mas elas existem...existem pessoas assim, Pedro, por aí...tal como vc!
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