Em um entardecer de sol amarelo e muita fumaça ele foi enterrado. Três meses de tratamento contra uma doença terrível não foram suficientes para garantir-lhe a vida. Era um cara que havia perdido, mesmo antes da doença, um pouco da graça de viver. No entanto ainda era meu amigo. Uma figura machucada pela vida. Pela família que tanto chora e tanta dor sente pela sua perda. Pelas imbricações da vida que não lhe deu tantas oportunidades quanto ele acreditava merecer.
Nos dias anteriores a sua morte, me lembrei muito de nossas histórias. Em particular de nossa 8ª série quando eu ele, Neto, Thiago, Marcílio, Nilton e outros andávamos juntos todo o tempo. Mikael sempre foi o mais desinibido com as mulheres. Há dez anos, ele tinha a coragem, o Neto uma bela letra e eu sabia escrever....
“Pedro, faz aí uma carta pra Janielly”, pedia ele. “Dizendo o que”, questionava eu.
“Sei não, diz ai alguma coisa bonita. Fala que eu tô afim dela”.
“Ahhhhh meu irmão, espere ai que num é assim não. Deixa eu pensar em alguma coisa”. E nisso o Neto, como um escrivão de polícia ia esperando para transcrever o depoimento da vítima. Essa tríade fez muitos trabalhos dessa ordem. Depois de entregue o bilhete, eu e Neto íamos em direção ao Cara Seca: “E ai, o que ela disse?”, perguntávamos. “Coisa nenhuma”, dizia ele. E então ficávamos um pouco frustrados com aquela falta de resultado depois de tanto trabalho em equipe.
Graças a Deus as mulheres, quando novas, são fáceis de agradar. Fatalmente, dias depois, saberíamos que minhas palavras nas formas das letrinhas do cearense e mais a coragem do Mikael seriam premiados pelo amolecimento da donzela. Prêmio estranho, já que só ultimo desfrutava dele......rssssss
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Todo o sentimento de perplexidade é ainda pouco quando nos deparamos com tragédias tão fortemente ligadas ao nosso cotidiano, à nossa vida. Quando conhecemos os atores e o cenário perece ainda muito mais vivo e dramaticamente mais acinzentado. Ainda mais em horas escuras. Naturalmente, tragédia alguma pode ser dimensionada de forma sistemática, como que usando fatores de intensidade. Toda tragédia é uma tragédia e suas conseqüências são igualmente trágicas, únicas e personalíssimas. Mas o fato é que a intensidade da dor se torna mais forte quando o terreno é conhecido. E isto faz toda diferença.
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Muito se passou desde que nos conhecemos. Muita coisa importante, outras nem tanto. Fatos alegres e tristes também. Não tenho intenção de escrever tudo o que lembro, o que não é pouco. O fato é que não estou conseguindo manter o foco. A vontade é de escrever vários fatos em formas de notinhas. Quem nem aquelas das colunas de jornal. Tipo:
Lombra
Em uma noite, acompanhado de vários amigos, depois de cheirar um substancia entorpecente, proibida por lei. Um certo alguém estava sentado em uma mesa quando de repente se levantou e se dirigiu ao meio da rua. “Vumbora partir o time, bora, bora, bora”.......rssss
F-1000
Passávamos pelas estreitas ruas do mocambinho quando veio outro carro e se jogou em direção ao Floquinho. Obviamente fui forçado a desviar. No momento da manobra, vem a pérola: “Se fosse na F-1000 réa eu tinha passado por cima dele”.......
Campainha
Eu ia a frente de todos quando voltávamos de uma padaria próxima ao clube da Classes, atrás vinham os outros e Mikael cachingando, já que tinha cortado a palma dos cinco dedos do pé com um facão. De supetão parei em frente a uma casa e olhei para trás. Todos viram quando toquei a campainha 5 vezes seguidas e sai correndo. Meus amigos perderam alguns segundos para entender o que se passava. Somente após esse tempo foi que perceberam que tinham que correr também. “Porra esse Pedro é muleque”, disse meu pobre amigo dos dedos cortados.
Inter-classe
Ainda sobre os dedos cortados, certa vez fui assistir a um jogo do time do Neto, Mikael, Tiago, Jader e um cara que era um gênio no futsal. Como já dito, o Cara Seca havia cortado todos os dedos com um facão não fazia uma semana. Antes de iniciar o jogo pude presenciar a cena. Mikael colocou em seus dedos meia pomada de Xilocaina, um anestésico muito usada por dentistas e tatuadores, enrolou o pé com ataduras e ainda calcou dois meiões. Foi o dia que vi seu melhor futebol.
Moça zangada
Há alguns anos ele conheceu e começou a namorar Taieny, essa jovem grande guerreira. Era um casal que vivia brigando e se separando, mas que mesmo assim continuava junto. Pessoa zangada que terá para sempre minha admiração. Enfrentou o calvário de seu namorado com personalidade e força. Acreditando em sua cura até o ultimo minuto, até saber que o coração dele parara de bater.
Seria mais ou menos assim que escreveria...
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Qual o tamanho da tristeza para um ser humano quando seus entes queridos são tirados de perto de si? Não tenho palavras e nem talento para falar de uma dor que não pode ser dita. Em poucos dias, todos os sonhos, projetos e até sua história é findada. E assim chegamos à pergunta: qual o sentido da vida? Fica ao vento uma das questões mais inquietantes da nossa existência. Acho que nunca vamos ter uma resposta definitiva, mas dentro de cada um de nós existe uma resposta pessoal que subsidia nossos desejos.
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Sua descida foi triste, como não poderia deixar de ser. A areia batendo em cima de seu caixão. Aquela terra enterrando meu amigo. Naquele exato instante, como em um filme, sua figura me veio à cabeça. Desde o tempo em que nos conhecemos na 8ª série até a última vez que o vi andando pelos corredores do São Marcos a caminho do exame que selaria seu destino. A despeito de minhas lembranças, seu caixão continuou sendo soterrado. Minutos longos, que pareciam sem fim, tal qual uma situação constrangedora. “E agente não pôde fazer nada”, pensei com o desespero a rondar minha cabeça..
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Não encontro palavras que possam consolar o amigo, a mãe, irmã, namorada, a família, enfim os que sentem. Não há mágica existente que possa fazer isso. Nestas horas tão absurdas questionamos a existência de um Deus. Infelizmente não é esse o ponto. Creio sim, que ansiosamente procuramos acreditar e procurar pelo fim da dor que impregna nossos corações.
Antes do último
E no penúltimo dia do mês de outubro Mikael Robson Gomes Castelo Branco parou de viver deixando nossa vida mais vazia e saudosa.
Fim da Coluna
Abra os olhos – O cemitério do esplendor
Há 3 semanas
3 Comments:
Ninguém nunca poderia ter escrito algo tão cheio de significado, tão rico e tão cheio de sentimentos...Obrigada pelo alento de suas palavras.
Pedro, sua irmã anda sem palavras...nem imagens...e sei o quão real é pra vc o fato de que esmero nenhum na escrita ou em qualquer outra arte pode apagar a dor da perda e tudo que ela implica. Do Mikael ficou a voz...a jovialidade de quem parecia não estar num quarto de hospital. E mesmo sabendo que palavras não restiuem perdas, preciso dizer que as suas teceram com delicadeza uma parte da vida do seu amigo. Sem conhecê-lo...arrisco dizer que ele riria muito com suas lembranças e...não teria dúvida alguma do seu amor.
Pedro, vc quer me matar, estou aqui em lágrimas, sem condições para trabalhar, que belas palavras, infelizmente só hj eu pude ver essa maravilhosa publicação, nunca tive dúvidas do quanto vc é amigo do Mikael, sempre falei isso pra ele, e sempre adorei vc, sou uma moça zangada kkkkk, mas que sempre amei, amo e nunca deixarei de amar seu grande amigo!!! E realmente não queria perder um segundo de tempo ao lado dele!!! Obg por td, obg por todas essas palavras!!! Taieny
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