Minha total indisposição para com novelas já foi tema de um texto aqui nesse mesmo espaço. Minha opinião continua muito parecida e o tema tem me chamado cada vez menos atenção já que não acompanho folhetim algum. Entretanto a nova novela das oito, que vai ao ar às nove, me chamou atenção por causa do acidente de Aline, transformada em deficiente pelo argumento ineficiente Manoel Carlos.
Eis que fuçando no Blog de André Forastieri me deparo com um texto muito bem amarrado de Marcelo Soares, amigo de André. Marcelo detona a mais nova falácia da TV Globo, acaba com esse papo água de que as novelas estão retratando o real.
Leia o texto e confira.
Com a palavra, Marcelo Soares, criador do blog E Você Com Isso?.
Virou moda expor problemas sociais e de saúde em novelas, pra mostrar “a vida como ela é”. Pegue a história da modelo Luciana, da novela Viver a Vida.
Loira, linda, alta, jovem e rica, sofreu um acidente de ônibus no Oriente Médio e perdeu os movimentos dos membros. A ideia é mostrar como é a vida de quem sofre com deficiência física.
Mas será que a personagem representa mesmo quem sofre com isso? Existem dados sobre isso.
A cada dez anos, o IBGE coleta informações detalhadas sobre a população brasileira no Censo. No banco de dados deles, procurei ver quantas pessoas no Brasil tinham mais ou menos o mesmo perfil da personagem:
Mulher, 25 a 29 anos, com rendimento nominal mensal de mais de 5 salários mínimos (o IBGE não oferece classe mais alta que isso) e portadora de deficiência física (tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente).
Clique aqui e acesse o link do banco de dados do IBGE.
No censo de 2000, havia apenas 262 mulheres nessa condição no país – num total de 514.791 mulheres nessa faixa etária e grupo de renda. Isso dá 5 em cada 10 mil mulheres dessa faixa etária e grupo de renda no Brasil.
Se for fazer pelo total de brasileiros, incluindo homens e mulheres de todas as idades, dá 1,55 POR MILHÃO.
O dado tem um problema sério: 5 salários mínimos é uma renda muito abaixo da renda da personagem. Se for restringir pelos que ganham ao menos 10 salários mínimos por mês, um salário modesto para uma supermodelo principiante, certamente haveria menos gente.
Para ter uma ideia, apenas pelo corte de cinco SM já foram excluídos DEZESSETE ESTADOS que sequer tinham mulheres com deficiência física nessa faixa de idade e renda: RO, AC, RR, PA, AP, TO, PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, ES, SC, MS, MT.
As moças com deficiência física nesses lugares costumam ser mais pobres. Como, de resto, a média dos habitantes. Portanto, têm menos acesso a bons hospitais e transporte de qualidade. Sofrem bem mais.
Das 262 mulheres com deficiência física no Brasil, apenas 34 estavam no Rio de Janeiro (onde mora a personagem da novela). Isso dá 6 em cada 100 mil mulheres de mesma idade, sexo e faixa ampla de renda no Brasil inteiro. Ou DUAS EM CADA DEZ MILHÕES de brasileiros de todos os sexos e idades.
Não dá pra ver por bairro quantas moram no Leblon. O que dá pra ver é que apenas 19 dessas 32 mulheres estavam na cidade do Rio. Isso dá 3,7 em cada 10 mil brasileiras de mesma idade e faixa ampla de renda. Ou pouco mais de UMA EM CADA DEZ MILHÕES de brasileiros.
O Censo não permite filtrar pela altura, cor do cabelo, profissão ou largura dos lábios. Também não permite ver a questão do comportamento da moça, o que estreitaria ainda mais a seleção.
“A vida como ela é”, uma pinóia. Essa personagem praticamente não existe – e, se existir, tem a vida muito mais confortável do que a dos que de fato existem.
Tudo para quem tem dificuldades de locomoção acaba saindo mais caro. Quem tem grana consegue contornar a maior parte desses problemas; quem não tem sofre muito mais.
E como são os que existem? O IBGE também nos conta
Antes de mais nada, 22% dos homens com deficiência física e 29% das mulheres com deficiência física simplesmente não têm renda nenhuma.
No Brasil, a maior proporção dos que têm deficiência física dentro de sua faixa etária está entre os velhinhos homens de mais de 70 anos de idade e renda nenhuma (4,4%) ou até um salário mínimo (4,7%).
Dois em cada dez deficientes físicos brasileiros, homens, são velhinhos com mais de 70 anos, e pelo menos um desses dois vive com menos de R$ 500 mensais.
A proporção de velhinhas com deficiência física em sua faixa etária é um pouco menor, mas principalmente porque homem tem a feia mania de morrer mais cedo. Mas três em cada dez mulheres com deficiência física são velhinhas com mais de 70 anos.
Essa proporção de velhinhos vem aumentando, conforme o brasileiro vai ficando mais velho. É o lado ruim da melhoria das condições básicas de vida.
Entre as mulheres, no total do Brasil, 81,3% das que têm deficiências físicas têm renda menor do que um salário mínimo ou nenhuma. Na faixa de idade da Luciana, 25 a 29 anos, são quase 87%.
Ou seja: quase nove em cada dez não ganham nem R$ 500 ao mês.
Educação é outro problema muito sério: é muito difícil alguém que tem deficiência física frequentar aulas, especialmente porque escolas e faculdades não são adaptadas.
Aqui, porém, o roteiro de Manoel Carlos acertou na mosca: tal como 89,7% das moças de 25 a 29 anos com deficiência física, Luciana não estuda.
Ps.: Texto publicado originalmente em: blogs.r7.com/andre-forastieri/2009/12/04/a-paraplegica-da-novela-nao-existe-parte-ii/
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Há 3 semanas
1 Comment:
quando é o real?
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