quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cinza

A tormenta chegou. Ficou para trás o eco de dias tão tranqüilos. O doce da voz, do cheiro e pele agora são apenas lembranças. Vivas, próximas, mas em continuo afastamento. Ai, diria uma amiga, as coisas acontecem a nossa revelia.... então qual o nosso papel, se não posso interceder? Apenas assistir?

Interceder, intervir, empenhar, lutar, meter-se, sobrevir! A impressão era que fazia isso. Mas e aí? Me derrubaram, jogaram-me no chão e pisaram no meu rosto mostrando toda a minha impotência? Apareceu algum ÁS que me abateu em pleno voo ou simplesmente desisti? Entreguei eu minha espada e cavalo, desobedeci ao meu oficial, desertei?

Nem o álcool, os amigos ou minha guia-razão me dão respostas contundentes. Se perdem junto comigo.


Ainda agnóstico, mas suplicando por orientação perante os deuses; sonhando sonhar com Morpheus para quem sabe ele me dê a saída do deserto como fez a Marco Pólo. Ou melhor, dormindo para encontrar o sábio chinês que renegou a lembrança de seu filho morto para se dedicar a um bichano filhote, que mesmo pequeno estava vivo. Mas essas todas são histórias, sonhos.

A realidade é o dorso pesado, alquebrado pela incessante luta, pela peleja de um inimigo que parece muito maior e poderoso. Sim, mas que oponente é esse? Tem nome, sobre-nome, perfil? Com quem duelo?

Esse conhecimento não tenho e nem ninguém comigo o compartilhou. Divago que seja um carrasco sem rosto, voz e ainda covarde. Solapando ao primeiro sinal de fraqueza ou alegria. A verdade é que o embate real nunca houve, muito pior e doloroso: fui derrotado por uma idéia.

Logo eu, o senhor do domínio retórico, conde da razão cotidiana, prefeito da tranqüilidade... Fiquei indefeso pela inutilidade de minha armas, pelo vão balaços de meus canhões que disparavam a qualquer piar de ave ou grilo; bobo pelo surdo soar de minhas palavras e atitudes.

Agora quieto, contido, quase calmo e casmurro, espero o passar dessas águas.

Mas já me contaram, já me disseram e eu sei...

vai demorar

3 Comments:

Santiago said...

"Não saberei nunca

dizer adeus



Afinal,

só os mortos sabem morrer



Resta ainda tudo,

só nós não podemos ser



Talvez o amor,

neste tempo,

seja ainda cedo



Não é este sossego

que eu queria,

este exílio de tudo,

esta solidão de todos



Agora

não resta de mim

o que seja meu

e quando tento

o magro invento de um sonho

todo o inferno me vem à boca



Nenhuma palavra

alcança o mundo, eu sei

Ainda assim,

escrevo"

julianna said...

O texto mais angustiante e ainda assim mais lindo que vc já pôs nas páginas desse blog.

Mas não tenha pressa...qto mais esmagador parecer o dia, mais colha as impressões ao seu redor e deixe a batalha de lado.
Às vezes, ganhar é não vencer.

Bjos

julianna said...

Junior, amor, achei lindo o poema do Mia Couto...Roubarei-o para o meu blog...;)
bjos mtos